We will never walk alone

Num ano tão cheio de memórias importantes e marcantes pra mim, consegui chegar ao fim me sentindo pertencente a alguma coisa de novo -- exatamente a ~única coisa que meu pai deixou de herança pra mim. Vai Corinthians! 👍

We will never walk alone

Parei de frequentar estádio ali no fim de 2016, no dia em que o André Balada errou um pênalti que eu não vi por estar de costas, pronto pra ir embora caso ele errasse -- o que fiz, sem olhar pra trás, mesmo com um gol de alguém enquanto eu seguia rumo a estação Artur Alvim.

Até hoje eu não vi essa cobrança de pênalti. Eu tava puto, desgraçado da cabeça com aquele time que não tinha qualquer compromisso com a torcida e o clube, e com a própria torcida, que não tinha qualquer compromisso com o time e o clube. Aquela selfie com a bola na cadeira Oeste, com o Palmeiras vencendo por 2x0... eu não me sentia mais entre os meus. Me sentia mais pertencente a alguma coisa gritando com a galera na janela do apartamento as 23h do que abraçado com desconhecidos num poropopó.

E se tem uma coisa sobre mim que pode te ajudar a entender quem eu sou: eu preciso pertencer a alguma coisa. Na terapia já tratei disso, de maneiras saudáveis disso acontecer, mas é um fato… eu preciso pertencer. Minhas experiências precisam ser coletivas, compartilhadas. Fazer parte. Eu não sinto bem sozinho. Não gosto, não adianta.

Foram vários anos em sequência no concreto do Pacaembu e, depois, três nas cadeiras brancas da então chamada Arena Corinthians, quando cancelei meu Fiel Torcedor e passei a ir ao estádio só eventualmente – ainda sem me sentir parte daquilo tudo. A última vez que tive a sensação de que éramos um só, torcida, time, torcida e time, foi em 2015, durante a campanha do Brasileirão. Naquele ano eu ainda cogitei ir a São Januário só pra estar no dia em que o Corinthians fosse matematicamente campeão, mas fui rapidamente demovido da ideia – acabei comemorando na praça Roosevelt com uma daquelas "pizza de 10" que me fizeram entender porque carioca coloca ketchup em pizza e, depois, vendo ao vivo o “Eterno 6x1”, a maior e melhor experiência que tive dentro um estádio de futebol.

O ano de 2015 foi também o primeiro ano sem meu pai. Foi ele quem me levou pro Canindé e depois pro Pacaembu (Morumbi também, mas sempre a contragosto). Meu pai nunca se mexia em gols, só aliviava a ansiedade com um suspiro e uma ajeitada na cadeira. Ele sempre comprava picolés de chocolate e aquele monte de amendoim com casca, que eu não conseguia de jeito nenhum descascar (e não consigo até hoje). Me arranjou uma camiseta da torcida Corinthians Até a Morte (que descobri recentemente que ainda, olha só, tá viva!) e pediu pra deixarem eu chacoalhar um bandeirão em algum dos jogos, quando ainda podiam os mastros de bambu, e pouco antes de ter de me explicar porque pessoas que torciam pro mesmo time estavam brigando. Me contava várias vezes as histórias que envolviam os Borbolla e o Corinthians (teve candidato a presidente, minha vó jogando basquete profissional, ele mesmo jogando "handebol" e tantas outras). Saiu comigo pra comemorar o Paulista de 1988, o Brasileirão de 1990, de 1998 e estava lá comigo no de 1999. No dia seguinte ao Mundial de 2000, encheu a casa onde estávamos hospedados em Ubatuba de pôsteres. Sempre arranjava com o Seu Amadeu camisas autografadas e uma vez deu um jeito com o Arizão de eu entrar em campo e tirar foto com o Ronaldo Giovanelli. E, entre tantas outras coisas ao longo de 30 anos, fez um 👍, num dia que não falava nada e mal respondia as coisas e as pessoas, depois de eu me despedir dele com um "Vai Corinthians!".

Eu não sabia, mas seria a última vez que nos falaríamos. Ele tinha tido um AVC dois dias antes e, pouco depois de eu ir embora do hospital nesse terceiro dia, teve outro. Era uma quarta-feira. Na sexta, 14 de Novembro de 2014, foi constatada a morte cerebral.