Não dá mais pra ter paciência com eles

Tudo bem ter ótimas e divertidas lembranças com Chaves, camiseta do Chapolin, ir na exposição imersiva e ver o que o SBT fez quando disse que "remasterizou" episódios com IA. Daí a brigar por ele... já não tá todo mundo aqui um pouco velho pra isso, não?

Não dá mais pra ter paciência com eles

Eu contei essa história lá no JUDAO.com.br, numa série de textos que eu planejava que fossem 88 e não chegaram a 10, mas tudo bem: quando eu era criança, bem criança mesmo, eu amava He-Man. Todo ano ganhava uns dois bonecos, em algum momento ganhei o castelo de Grayskull, tinha um fantoche do Gorpo e assistia sempre que possível (também conhecido como férias, já que eu ia pra escola de manhã) no programa da Xuxa, lá na casa da Dona Wilma.

Depois de velho, eu cheguei a comprar outros bonecos, agora mais colecionáveis, ganhei um outro castelo de Grayskull, dessa vez por motivos de "minha mãe doou o outro e o meu inner-borbinho nunca lidou bem com isso", e comprei os boxes de DVDs, incluindo uma edição super especial que tá até agora na caixa lacrada e provavelmente não vai sair de lá.

Um ou dois desses boxes mais “simples” eu cheguei a botar pra rodar e assim... não dava pra assistir. Por uma série de razões técnicas, pelas histórias… eu já tava ali perto dos 30 anos (margem de erro de alguns para mais ou para menos) e nada daquilo funcionava. Nem pra mim e, eu gostaria muito de acreditar, pra ninguém da minha idade. Imagina a pessoa 30+- ouvindo aquelas lições de moral que aquele personagem, que só existia porque alguém queria vender bonecos, dava no fim? Era só pela galhofa. Era só pela nostalgia e, principalmente, era só no DVD (chegou a passar, se não me engano, naquele antigo canal de desenhos velhos, e tão o tempo todo querendo um filme novo, mas!). Todo o resto, tá na minha lembrança. E tá tudo mais que bem!

Com o castelo de Grayskull e uma cara de cansaço enorme em algum Natal do fim dos anos 80 na casa de D. Wilma. O tamanho dos shortszes continua o mesmo, mas os meus cabelos…

Recentemente, depois de anos fora do ar, o Chaves voltou pra grade do SBT -- ele e o Chapolin, ambos no famigerado horário nobre. Pelos comentários no Bluesky, eu percebi que o tal horário nobre varia ali entre 21h e 23h e, também pelos comentários no Bluesky, descobri que o colunista Flávio Ricco é absolutamente contra a presença do Chaves na grade do SBT a essa altura do campeonato, o que faz muita gente se emputecer e querer esfregar os números de audiência, realmente grandes, na cara do velho.

Entendo. Eu torço pro Corinthians e embora eu não me importe com o que a "mídia" diga, eu não suporto o Mauro Cezar Pereira. Aí acontece tudo o que aconteceu em 2024 e dá vontade, né? Mas, ainda assim, eu reconheço que o MCP tem razão em alguns pontos... assim como o Flávio Ricco. Quando ele diz “tem muita gente boa no mercado disposta a fazer coisas melhores. Precisa só dar a oportunidade”, não podemos dizer que ele tá errado, né?

Chaves e Chapolin era o que eu via justamente depois do He-Man, quando acabava o programa da Xuxa e eu mudava pro SBT. Já naquela época era tudo velho, inclusive os atores. Entendo e concordo e sou a favor da questão nostálgica, exposição interativa, ator vindo pra evento pela enésima vez, mas... 2025 e Chaves? No horário nobre? Na TV aberta? Estourando de audiência? Não rola algum outro produto novo, criativo, bom? A galera vai mesmo ter de ficar vendo um negócio em looping pro resto da eternidade? Só o +SBT ou TV fechada não bastariam?

Como se não bastasse, o retorno de Chaves e Chapolin ao SBT envolveu uma “remasterização” (atenção pras aspas) com uso de IA que tá dando o que falar :P

Numa entrevista ao jornal The Guardian, em 2022, Alan Moore (não, não tou comparando o Flávio Ricco com ele, peloamordedeus) relemebrou quando afirmou, por volta de 2011, que “há sérias e preocupantes implicações para o futuro se milhões de adultos fazem fila pra assistir a filmes do Batman. Esse tipo de infantilização — essa ânsia por tempos mais simples, realidades mais simples — pode muitas vezes ser um precursor do fascismo”. Com a mão no coração, que pode doer sim nesse momento, não podemos dizer que ele tava errado, né?

“Pra mim, essa aceitação do que eram personagens INEQUIVOCAMENTE infantis quando surgiram em meados do século XX parece indicar um recuo das complexidades reconhecidamente avassaladoras da existência moderna. Me parece muito que uma parte significativa do público, tendo desistido de tentar entender a realidade em que realmente vivem, raciocinou que eles poderiam pelo menos ser capazes de compreender os "universos" extensos, sem sentido, mas pelo menos ainda finitos apresentados pela DC ou Marvel Comics. Eu também observaria que é, potencialmente, culturalmente catastrófico ter coisas efêmeras de um século anterior se agachando possessivamente no palco cultural e se recusando a permitir que esta era certamente sem precedentes desenvolva uma cultura própria, relevante e suficiente para seus tempos.”

Bom... SBT, né? Desejo muitas coisas ruins ao SBT (desde que os broders e a menina que eu beijei no Carnaval não estejam mais lá dentro). Mas sei lá. "Deixa as pessoas gostarem das coisas" eu digo pra mim mesmo nos últimos anos e enquanto tou aqui escrevendo, mas o meu ponto é muito menos sobre quem gosta de Chaves e mais quem briga por Chaves. Me lembra toda aquela coisa de Marvel vs. DC, que eu confesso que inflamei em algum momento e agora fez todo mundo se unir pelo cansaço, os "live action" e remakes da Disney, a própria Disney… porra, Harry Potter, bicho! “Deixa as pessoas gostarem das coisas”, eu deixo, mas eu também vou acabar te julgando pra caralho se você já é adulto e fica puto online com um idoso que critica a exibição de uma série infantil dos anos 70 em 2024 ou encara a fila da hora do almoço do Vassoura Quebrada, ali em Perdizes. ¯\_(ツ)_/¯

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Este texto foi publicado originalmente na edição #2 da newsletter tardigrado, no Substack, em 23 de Dezembro de 2024. Pretendemos sempre republicar, aqui no endcredits., textos escritos por nós em outros veículos como forma de preservação e, claro, de olho na audiência rotativa da internet. ;)