Dua Lipa sempre foi "Palestina Livre". Por sorte, ela também sempre foi muito mais.

Por conta desse rolê da suposta demissão do seu agente, muita gente descobriu que a britânica, que acabou de completar 30 anos, não só viaja e come deliciosamente bem e está numa turnê que chama a atenção de todos a cada show. Ela também é pró-Palestina. E uma mulher incrível.

Dua Lipa sempre foi "Palestina Livre". Por sorte, ela também sempre foi muito mais.
Dua Lipa durante sua visita, com a UNICEF, a um campo de refugiados sírios e palestinos no Líbano, em 2019

Essa semana surgiu a história de que Dua Lipa teria demitido seu agente, David Levy, por ele ter assinado uma carta pedindo para que os organizadores do festival Glastonbury, na Inglaterra (os Medina e o Rock in Rio deles) impedissem o Kneecap de se apresentar na edição desse ano, que rolou em Junho.

O Kneecap é um trio de hip hop de Belfast, Irlanda do Norte, que canta misturando inglês e irlandês, composto por Mo Chara, Móglaí Bap e DJ Próvaí. Seu primeiro single, C.E.A.R.T.A ("cearta" é "direitos" em irlandês) foi lançado em 2017, seu primeiro álbum, 3CAG em 2018 e o segundo, Fine Art, somente em 2024, quando foi lançada uma cinebiografia contando a história do trio. O filme, que também se chama Kneecap e é estrelado pelo trio interpretando eles mesmos, tá disponível aqui no Brasil no HBO Max* e passeou por uma série de festivais, sendo aclamadíssimo e até escolhido pelo seu país pra concorrer ao Melhor Filme Internacional no Oscar desse ano, mas acabou ficando de fora dos indicados.

Seria só mais uma cinebiografia musical, seria só mais um trio de hip hop (se não assistiram ao documentário sobre os Beastie Boys, façam isso! Tá no AppleTV+), se os caras não tivessem, digamos assim, posições fortíssimas e bem marcadas. Um dos grandes "takes" do filme, que eles impediram de ser exibido em Israel, é a preservação da língua e da cultura irlandesa, o que eles também cantam em suas músicas. Por mensagens pró-Palestina, no Coachella, muita gente pediu que eles tivessem os vistos americanos revogados, muitos shows foram cancelados e Mo Chara, o nome artístico de Liam Óg Ó hAnnaid, chegou a ser processado por terrorismo por ter levantado uma bandeira do Hezbollah num show em Londres, em Novembro de 2024.

Com a apresentação marcada para o Glastonbury desse ano, vieram também as polêmicas. A BBC, por exemplo, resolveu não exibir o show do Kneecap e depois pediu desculpas por ter exibido o do Bob Vylan, afirmando que a partir de agora apresentações de "alto risco" não serão mais exibidas de nenhuma maneira, nem tentando mitigar esse tais riscos. Políticos, artistas e outros membros da indústria também fizeram um abaixo-assinado pedindo que o festival cancelasse a apresentação do trio... e aqui voltamos pra Dua Lipa, que em 2024 foi headliner desse mesmo festival, realizando o "maior sonho da sua carreira".

Público e suas bandeiras durante a apresentação do Kneecap no Glastonbury 2025

A cantora, que é filha de pais kosovar-albaneses que fugiram do conflito nos Bálcãs em 1992, nasceu no Reino Unido e só pode retornar ao Kosovo depois da guerra, aos 11 anos. Ela nunca escondeu sua posição nessa história, que sempre esteve ali. Entre suas viagens e seus shows, é possível encontrar posts em que ela afirma que "queimar crianças vivas jamais pode ser justificado. O mundo inteiro está se mobilizando pra parar o genocídio israelense", entre outros momentos que ela demonstra ter ter uma integridade única e colossal.

Por exemplo, depois que o jornal Daily Mail publicou a informação da demissão do seu agente, ela se viu obrigada a se manifestar. E, na falta de palavras melhores, devo dizer que fiquei de pauduraço com a declaração dela.

"Eu não aprovo o que David Levy ou outros executivos da indústria musical fizeram contra artistas que falam a suas verdades. Também não posso ignorar como isso foi tratado pela imprensa. A matéria não só é completamente falsa, como a linguagem usada pelo Daily Mail foi deliberadamente inflamatória, criada apenas para gerar cliques, claramente para alimentar divisões online", afirmou aparentemente também desmentindo a história da demissão. Mas isso é o de menos. "Sempre será Palestina Livre, mas explorar uma tragédia global para vender jornais é algo que considero profundamente pertubador".

Sempre será Palestina Livre, mas explorar uma tragédia global para vender jornais é algo que considero profundamente pertubador

E não é só a integridade dessa mulher que é enorme. Seus interesses, o que ela faz com os seus privilégios e a sua carreira... ouso dizer que eu não conheço ninguém que viva tão bem a vida quanto Dua Lipa. Dá gosto vê-la se divertindo, evoluindo artisticamente, com seu clube do livro que ela de fato participa, lendo cada uma das obras escolhidas e até mesmo entrevistando seus autores, o que muita gente dentro do mundinho literário tem elogiado.

Enquanto isso, no Bluesky, um skeet feito sem muita me pretensão me pegou mais do que eu gostaria, mas o suficiente pra eu enfim falar algumas coisas que eu penso já há alguns anos. O texto, compartilhando a notícia da demissão do empresário, afirmava resumidamente que ela "fez mais que o Radiohead", em alusão à treta de Thom Yorke com um ativista que reclamou do seu silêncio sobre o que rola em Gaza, e também por seu guitarrista, Johnny Greenwood, ter feito um show em Israel em Junho do ano passado.

De fato, nesse assunto, Dua Lipa fez mais que o Radiohead. Mas quando se coloca assim, com essa construção de frase específica, parece que estamos pegando um lado menor e mostrando que ele faz mais do que um maior. E eu vejo isso já há algum tempo, como se Dua Lipa não fosse boa o suficiente. Por que, exatamente? Porque todo mundo diz que só viaja, mas tá fazendo o que todos deveriam fazer, que é dividir e muito bem o trabalho e a vida? Ou seria porque, nesse caso, ela é uma "diva pop" e não uma "estrela do rock"?

Se bem que não dá pra chamar de diva, seja pelo significado original da palavra, seja pelo que significa "diva pop". Dua Lipa é um ícone. Que viaja grudada com a família, que fuma seu cigarro, come bem, vive bem e se torna, claramente, uma pessoa melhor e mais interessante a cada dia que passa.

Dua Lipa recebeu Mustafa the Poet, usando o Keffiyeh, num dos shows da turnê Radical Optimism em Toronto (Setembro / 2025)

Dua Lipa tem de vida menos o que o Radiohead tem de carreira e, bom, a essa altura do campeonato, a gente não devia mais se surpreender com roqueiro velho sendo cagalhão, pra dizer o mínimo – o próprio Thom Yorke até chegou a pedir desculpas, dizer que não sabia que devia se posicionar, mas que é contra Israel, bla bla bla. Não é que ela, mulher da música pop, tem mais atitude que aqueles homens brancos horríveis do rock; eles é que não tem coragem de se posicionar, como tantos outros. Eles é que vivem com a cabeça dentro do próprio cu.

Por exemplo, sabe quem pediu pra tirarem os vistos americanos do Kneecap, depois do Coachella? Sharon Osbourne, a agora viúva do "Príncipe das Trevas".

Sinto uma enorme preguiça de quem coloca a música pop em um lugar menor, abaixo de outros gêneros, especialmente o rock e, mais especialmente ainda, o rock brasileiro, que hoje parece que, tirando o que já tá por aí, só existe se for fazendo show cover de banda gringa. Pop fala com muita gente, de maneiras muito específicas, tanto quanto, olha só, qualquer outro gênero musical. Mas, no caso da Dua Lipa, eu sinto que rola um rolê um pouco Garotas Malvadas do próprio pop, como se ela não pudesse sentar com o resto das garotas.

Ela se importa com isso? Obviamente que não. Mas eu me importo um pouquinho e tou aqui há 1440 palavras defendendo que se olhe pra Dua Lipa com outros olhos e outros ouvidos.

Dua Lipa no acampamento palestino Burj el Barajneh, no Líbano, em 2019

Não vou negar que, enquanto homem hétero, meu primeiro interesse em Dua Lipa foi ela. Ouvi New Rules antes de ver a cara, numa festinha em que eu bebi todas e mais algumas em 2017 e curti. Depois, que mulher. QUE MULHER. Fui ouvindo tudo que saía por conta daquela cara linda e fui gostando demais... até Future Nostalgia. Aquele álbum, sua versão deluxe, e outros singles que saíram depois, me pegaram com muita força ali naqueles momentos de pandemia. Era uma delícia ouvir o que me lembrava a minha vida lá fora, entre tantas outras coisas que eu pensava e sentia. Batizei o meu iate no GTA V Online de "Pernas de Dua Lipa" por ser longo, branco e belíssimo. Fui no show, pista VIP, e tive de aguentar alguns pais justificando sua presença ali pra mim, que tava lá pelo mesmo motivo que as filhas deles. "Não, porque eu gosto de rock"... meuamigo, eu não poderia me importar menos com você! De todas as pessoas presentes aqui... você!

E aí você vê ela agora nessa turnê de Radical Optimism, que nem é um álbum tão bom assim, levando gente como Chaka Khan e Nile Rogers pro seu palco, fazendo uma série de covers de canções de outros gêneros e artistas locais que primeiro te surpreende, mas depois te faz compartilhar no Instagram e questionar quem serão os escolhidos no Brasil... porra, bicho. Dua Lipa não faz só yoga de jeans e salto alto, ela faz a lição de casa.

Ela não só entretem, ela te leva junto nesse rolê maluco que é a vida.

Por mais Dua Lipas no universo. E que se foda o Radiohead.